terça-feira, 13 de abril de 2010

PEDOFILIA É CRIME






Frei Betto


As sucessivas denúncias de pedofilia e abuso sexual cometidos por sacerdotes e acobertados por bispos e cardeais envergonham a Igreja Católica e abalam a fé de inúmeros fiéis.

No caso da Irlanda, onde mais de 2 mil crianças entregues aos cuidados de internatos religiosos foram vítimas da prática criminosa de assédio sexual, o papa Bento XVI divulgou documento em que pede perdão em nome da Igreja, repudia como abominável o que ocorreu e exige indenização às vítimas.

Faltou ao pontífice determinar punições da Igreja aos culpados, ainda que tenha consentido em submetê-los às leis civis. O clamor das vítimas e de suas famílias exige que a Santa Sé aja com rigor: suspensão imediata do ministério sacerdotal, afastamento das atividades pastorais e sujeição às leis civis que punem tais práticas hediondas.

A crescente laicização da sociedade europeia reduz drasticamente o número de fiéis católicos e a frequência à igreja. O catolicismo europeu, atrelado a uma espiritualidade moralista e a uma teologia acadêmica, afastado do mundo dos pobres e imbuído de um saudosismo ultramontano que o faz ignorar o Concilio Vaticano II, perde sempre mais o entusiasmo evangélico e a ousadia profética.

Dominado por movimentos fundamentalistas que cultivam a fé em Jesus, mas não a fé de Jesus, o catolicismo europeu cheira a heresia ao incensar a papolatria e encarar o mundo, não mais como “vale de lágrimas”, e sim como refém de um relativismo que corrói as noções de autoridade, pecado e culpa.

Ao olvidar a dimensão social do pecado, como a injustiça, a opressão, o latifúndio improdutivo ou a apologia da desigualdade, o catolicismo liberal centrou sua pregação na obsessão sexual. Como se Deus tivesse incorrido em erro ao tornar a sexualidade prazerosa.

Como o Espírito Santo se vale de vias transversas para renovar a Igreja, tomara que as denúncias de pedofilia eclesiástica sirvam para pôr fim ao celibato obrigatório do clero diocesano, permitir a ordenação sacerdotal de homens e mulheres casados e ultrapassar o princípio doutrinário, ainda vigente, de que, no matrimônio, as relações sexuais são admissíveis apenas quando visam à procriação.

Ora, tivesse Deus de acordo com tal princípio, não teria feito do gênero humano uma exceção na espécie animal e, portanto, destituiria o homem e a mulher da capacidade de amar e expressar o amor através de carícias, e incutiria neles o cio próprio dos períodos procriatórios dos bichos, o que os faz se acasalar.

Jesus foi celibatário, mas é uma falácia deduzir que pretendeu impor sua opção aos apóstolos. Tanto que, segundo o evangelho de Marcos, curou a sogra de Pedro (1, 29-31). Ora, se tinha sogra, Pedro tinha mulher. E ainda foi escolhido como primeiro cabeça da Igreja.

Os evangelhos citam as mulheres que integravam o grupo de discípulos de Jesus: Suzana, Joana etc. (Lucas 8, 1-3). E deixam claro que a primeira pessoa a anunciar Jesus como Deus entre nós foi uma apóstola, a samaritana (João 4, 39).

Nos seminários e casas de formação do clero e de religiosos é preciso avaliar se o que se pretende é formar padres ou cristãos, uma casta sacerdotal ou evangelizadores, pessoas submissas ao figurino romano ou homens e mulheres dotados de profunda espiritualidade evangélica, afeitos à vida de oração e comprometidos com os direitos dos pobres.

No tempo de Jesus, as crianças eram desprezadas por sua ignorância e repudiadas pelos mestres espirituais. Jesus agiu na contramão dos preceitos vigentes ao permitir que as crianças dele se aproximassem e ao citá-las como exemplo de fidelidade a Deus. Porém, deixou claro que seria preferível amarrar uma pedra no pescoço e se atirar na água do que escandalizar uma delas (Marcos 9, 42).

As sequelas psíquicas e espirituais daqueles que confiaram em sacerdotes tarados são indeléveis e de alto custo no tratamento terapêutico prolongado. As vítimas fazem muito bem ao exigir indenização. Resta à Igreja punir os culpados e cuidar para que tais aberrações não se repitam.



Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

Intolerância





A intolerância não aponta apenas para a minha dificuldade em lidar com as diferenças de opiniões, mas, sobretudo, aponta para a minha arrogância. Ou seja, considero-me tão certo e justo em minhas opiniões e convicções que o outro é um idiota estorvo, caso não concorde comigo.


Nada de errado em ter opiniões formadas e até querer defendê-las. Entretanto, achar-se o dono da razão e não tolerar opiniões distintas é uma doença da alma: precisa de tratamento.


Sim, o intolerante é um doente social, um psicopata de almas, sobretudo, um fraco. Aquele sujeito tão fraco e que se sente tão ameaçado que necessita emitir firme opinião sobre tudo, falar de tudo e de todos e defender suas teses como uma galinha defende os seus pintos para dar pinta de galo. O intolerante, por medo ou insegurança, veste esta máscara de forte.

Quem não consegue ouvir opiniões alheias sem querer converter tudo e todos, conversar sem impor seu ponto de vista e desqualifica sentimentos e opiniões do interlocutor, além de ser um “desmancha-rodinha” muito mal-educado, é também uma alma aflita, desesperada por dizer a si mesma que é alguém.

Vamos falar de Jesus:

Em seus diálogos ele sempre queria primeiro ouvir. Sempre perguntava. Poucas vezes emitia opiniões, mas, no máximo, dava ao interlocutor pistas para que o outro pudesse pensar e chegar às suas próprias conclusões.
Jesus não impunha respostas prontas. Mas dava aos ouvintes o privilégio da dúvida: a chance de pensar!

Perguntavam: “Tu és o Cristo?”. Ele respondia: “O que achas?”, ou “Tu o dizes!”

Perguntavam: “Devemos apedrejar esta pessoa?”. Ele respondia: “Sim, se a pessoa é culpada, a Lei Judaica diz que SIM, vocês podem apedrejar, mas aquele que NÃO POSSUI ERROS seja o primeiro a tacar uma pedra...”. Jesus obrigava as pessoas a pensarem e a sozinhas concluírem o que fazer ou não.

Jesus não fazia questão de impor opiniões. Ele sabia quem ele era. Ele estava muito acima das opiniões alheias... Ele tolerava a arrogância e a falsa humildade. Tolerava a ignorância e a pseudo-sabedoria.
Há pessoas, contudo, que se consideram tão tolerantes, que inclusive não toleram os intolerantes, convertendo-se, assim, num deles.

E você? Quanto você precisa ainda de subir em sua caixinha de fósforos para discursar opiniões pretensamente perpétuas?

Fonte: Rev. Maia